martes, 24 de agosto de 2010

De barro


Quando Cipriano Algor dobrou o último prédio da povoaçâo e olhou para o sítio onde se encontrava a olaria, viu acender-se a luz exterior, uma antiga lanterna de caixa metálica dependurada por cima da porta da morada, e, embora nâo passasse uma só noite sem que a acendessem, sentiu desta vez que o coraçâo se lhe reconfortava e se lhe abrandava o ânimo, como se a casa estivesse a dizer-lhe, Estou à tua espera.




Tens razaô, desculpa-me, hoje nâo devería ser dia de censuras e recriminaçôes, Hoje, porquê, Fui ao cemitério, dei um cântaro a uma vizinha e temos um câo lá fora, acontecimentos de grande importância todos eles, Que história é essa do cântaro, Ficou-lhe a asa na mâo e o cântaro desfeito em estilhaços, Sâo coisas que sucedem, nada é eterno, Mas ela teve a decência de reconhecer que o cântaro já estava velho, e por isso achei que devia dar-lhe um novo, faz-se de conta que o outro tinha um defeito de fabrico, ou nem é preciso fazer de conta, dar é dar, dispensa explicaçôes.




Cipriano Algor aproximou-se da porta da casa e começou a dispor as estatuetas no châo, de pé, firmes na terra molhada, e quando as colocou a todas voltou ao forno,[...] e entâo Cipriano Algor entrou na olaria e retirou com todo o cuidado da prateleira as estatuetas defeituosas que ali tinha juntado, e reuniu-as às suas irmâs escorreitas e sâs, com a chuva tornar-se-âo em lama, e despois em pó quando o sol a secar, mas esse é o destino de qualquer de nós...
José Saramago. A Caverna.

5 comentarios:

neves dijo...

Eternas palabras. MUA.-

Harmonía dijo...

Benvida, querida Neves!!!
Bicos.

Xosé dijo...

Fixécheslle fotos a toda a túa louza, Aura!!!
Xa vexo que gozaches coa Caverna. Sabía que che ía gustar.

Aura dijo...

Á miña louza? Non! As imaxes recollinas nunha "oleira" cando voltaba das vacacións o mes pasado. Xa non quedan moitos lugares onde se vendan pezas de barro e a min gústanme moito.
Si que desfrutei da lectura, moito. Ademais, é unha das obras que te fan pensar e reflexionar, non quedas indiferente.
Grazas pola recomendación.

Chousa da Alcandra dijo...

Unha ola de saíl.
(Mesmo semella que falamos en arameo!)